Enxergando o boom da pesquisa empírica em direito no Brasil

O post de hoje utiliza automação de coleta despretensiosamente para verificar como anda a pesquisa em Direito no Brasil.

Estava brincando com um código em R para coleta de dados no Google Scholar, quando me surgiu a ideia. Embora o blog seja de sociais em geral, a minha área de pesquisa é em Direito,  e eu pensei em tentar levantar quantas publicações desde a década de 90 tinham um enfoque empírico.

Nos últimos anos, pesquisadores nessa área passaram  a se preocupar mais com metodologia científica (preocupação quase inexistente anteriormente). Surgiram trabalhos de enfoque “empírico”, contrapostos ao que se produzia antes, pejorativamente chamados de ‘dogmáticos’. Até como um sinal de ‘status’, passou-se a acrescentar nos subtítulos dos trabalhos as expressões “viés empírico”, “estudo empírico”, “pesquisa empírica”.  São artigos qualificados assim que eu tentei levantar. O que eu esperava encontrar era um crescimento forte do número de publicações, sobretudo nos últimos anos.

No geral, o que eu fiz foi realizar consultar rápidas no Google Scholar com os termos de busca “intitle:empírico direito”. O Google vai retornar todos resultados que contenham no título a palavra “empírico” e no corpo do texto, a palavra “direito”. Também consultei “intitle: empírica direito” e juntei os dois resultados.  Em seguida, criei um gráfico para mostrar a frequência pelo tempo. 

artigos_anos1

Aí está. Para publicações com a palavra “direito” no texto e “empírico/a” no título, temos um aumento pequeno por volta de 2001 e 2002, um aumento muito grande entre 2005 e 2007 e uma tendência de aumento para os anos seguintes. O encontrado é consistente com o esperado.

Porém, há viés na coleta. Nem todos os artigos ‘empíricos’ vão conter a expressão no título (entretanto, os pesquisadores insistem em fazer isso). Também nem todos os artigos que contenham “direito” no corpo do texto serão da área jurídica. Ainda o número de observações é pequeno (n=487).

Adotei, assim, uma outra estratégia. Usei o crawler para buscar no Google Scholar a expressão ‘intext:”pesquisa empírica”  com 6 expressões diferentes: “direito constitucional”, “direito administrativo”,   “direito tributário”, “direito ambiental”, “direito penal”, “direito civil”, isto é, agora a busca está sendo feito apenas dentro do texto (e não no título). Os gráficos seguintes resumem os dados coletados:

Todos os gráficos mostram um aumento pelos anos. Entretanto, diferentemente do gráfico anterior, o aumento mostrado agora é muito maior nos últimos anos, entre 2009 e 2012, sobretudo no último (2012). Por fim, ainda plotei as frequências correspondentes a todas essas áreas juntas (n=1578) (deixando de contar propriamente os dados repetidos para cada uma das variáveis):

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O aumento maior para os dados juntos são, assim, entre 2009 e 2012.

No entanto, essa estratégia distinta também não escapa do viés, sobretudo porque estamos selecionando os dados por áreas (constitucional, administrativo, civil, etc).  Como eu disse no primeiro parágrafo, esse post é só um teste despretensioso de um algoritmo, não pretende fazer nenhum tipo de inferência mais robusta (o que exigiria uma coleta mais atenta).

De qualquer forma, com a tentativa, dá para enxergar que a pesquisa empírica em direito, no Brasil, teve três períodos de expansão. Um, por volta de 2001; outro, por volta de 2006; e um último, entre 2011 e 2012. Dá para pensar numa série de explicações possíveis para isso, como as novas reflexões sobre o direito no primeiro momento (por exemplo, o artigo de Marcos Nobre, “Apontamentos sobre a pesquisa em direito no Brasil”,2004) e a iniciativa de grupos dedicados à metodologia e pesquisa empírica nos últimos anos (como a Rede de Pesquisa Empírica em Direito – REED <http://reedpesquisa.org>) . Tentativas de explicações melhores, entretanto, ficam para um próximo post.

Atenção: As consultas realizadas não indicam apenas artigos nacionais, mas todos de língua portuguesa. Entretanto, consultando visualmente a base de dados, dá para perceber que a grande maioria é de fato do Brasil.

5 respostas em “Enxergando o boom da pesquisa empírica em direito no Brasil

  1. Muito bom o posto. Seria interessante rastrear de onde vem este aumento – se é espalhado entre diferentes escolas e pesquisadores ou se é concentrado em um pequeno grupo de instituições e pessoas. De toda forma, parabéns pelo artigo!

  2. É preciso ter presente as fontes de financiamento desse gênero de pesquisa. Além da REED, que você citou, mas é mais recente (2011), pode haver efeito de indução via editais feitos pelo governo, como no caso do Projeto “Pensando o Direito”, do Ministério da Justiça (iniciado em 2007), do IPEA, do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ (criado em 2006) e de uma atuação mais incisiva especialmente das Direito-GVs, que vêm estimulando esse enfoque nos últimos anos.

    • Você tem toda a razão, Ricardo. Na verdade, só citei a REED como exemplo. Mas essas todas são possíveis causas.

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